INICIANDO A PRÁTICA: Diferenciando o estado de Yoga do estado inicial do aspirante
reflexão reeditada em memória do dia que consagrei essa compreensão 15/02/08 Rishikesh/Índia – 2.edição ( 14/05/11)
IMPORTÂNCIA
No momento em que escrevi o título desse artigo me lembrei de todas as experiências maravilhosas que tive com a prática de Yoga sem ter o discernimento que pretendo expor como pré-requisito para o início da prática.
Porém, mesmo assim, acredito que esse discernimento que vou chamar de Viveka, deveria sim, ser o primeiro passo de todo aspirante da prática de Yoga que utiliza o corpo como veículo, por três motivos:
1) DIREÇÃO : O que é um buscador se não sabe qual é sua meta?
2) ABERTURA PARA TRANSFORMAÇÃO: Quanto maior o discernimento entre a meta e o estado atual, maior a abertura e o dinamismo para a transformação.
Sabe aquele asana que está todo travado naquele dia, quando você reconhece que aquele não é seu estado natural você se abre para transformação ao invés de aceitar o novo condicionamento.
3) OBJETIVIDADE PARA TRANSFORMAR E SUSTENTAR O ESTADO NOVO: Quanto maior o discernimento entre a meta e o estado atual, maior a objetividade para transformar o estado inicial e zelar pelo estado novo.
Sabe aquilo que acontece logo depois da prática de Yoga e que te tira do estado que você construiu na prática... é hora do desafio de sustentar.
Esses dias fiz uma prática com bastante atenção a esse princípio e renovei a minha compreensão de que o efeito da prática é diretamente proporcional a capacidade de realizar a diferenciação citada no título e mais, a abertura para o desapego de hábito e visões ilusórias na meditação e relaxamento.
O IMPULSO NATURAL PARA O INÍCIO
Normalmente as pessoas são levadas ao Yoga por um anseio inconsciente pela meta. Só para economizar palavras podemos chamar esse anseio de dukha, se preferir.
Quando ela adquire a consciencia da meta, esse anseio passa ser direcionado e podemos chamá-lo então de mumukshutva.
A falta dessa consciencia, não significa que a prática não ocorra ou não traga seus benefícios, mas ela pode se tornar nociva e infértil em muitos casos. Por isso, atenção, não jogue essa compreensão fora.
FORMAS DE EXPRESSAR O DISCERNIMENTO ENTRE A META E O ESTADO INICIAL DO ASPIRANTE
Discernimento é algo muito abrangente, mas aqui estou falando de um discernimento extremamente objetivo, que diferencia a meta do Yoga, do estado em que os aspirantes do Yoga se encontram.
Existem várias formas de expressar esses dois estados. Estados de consciencia do puro altruísmo e do egoísmo ( altruísmo impuro). Do Ser em Yoga e do ser fora do estado de Yoga.
Um nome bastante comum dado para a meta do Yoga é Samadhi, traduzido muitas vezes como liberdade. Considero arriscada essa tradução. Prefiro a tradução de liberação dos apegos ilusórios. Desde os apegos ilusórios impressos na estrutura ósseo muscular, passando pelos hormonais e acima de tudo comportamentais.
Para facilitar a identificação vamos chamar de Sat a meta do Yoga, ou seja, o estado de verdade no Yoga e de Asat os estado de verdade parcial, do ser fora do estado de Yoga.
Simplificando Viveka é diferenciar Sat de Asat. Estado de Yoga do Estado de Não–Yoga.
Como o próprio nome diz, a prática de Yoga pode proporcionar a experiência do estado de Yoga, porém, isso é mais acessível quando existe sincera abertura para que isso aconteça.
Que abertura é essa? O que precisamos para irmos de um estado de consciência para outro? Sincera vontade de nos transformarmos. Nos desapegarmos de um estado e permitirmos o outro.
Esse é o foco. Essa vontade de transformação. Que é diretamente proporcional a viveka, ou seja, o discernimento entre Sat e Asat, a meta e o estado inicial do aspirante.
Mas como alcançarmos e internalizarmos esse discernimento?
DOIS CAMINHOS PARA O DISCERNIMENTO
Dois processos se completam no alcance desse discernimento.
(1) A experiência sensorial do estado da meta do Yoga e seu estado atual (2) complementada com o conhecimento necessário para identificar o estado de Asat e Sat, na auto observação.
Essa reflexão aqui aberta contribui com foco para o conhecimento necessário, já que a experiência sensorial é mais fácil de ser experienciada na prática.
Assim, falaremos sobre o que define os estados de Asat e Sat abordando como Sat os conhecidos Yamas e Nyamas, 10 matrizes comportamentais sugeridas pela referencia clássica de Patanjali como primeiro passo na prática. Em paralelo analisaremos Asat os opostos.
Falaremos também de Asat, a abordagem dos opostos, que nos traz um princípio importante: A necessidade de se olhar para o estado atual. Talvez alguns seres humanos mais evoluídos não precisem, mas ouso dizer que a grande maioria precisa olhar para os opostos, entender sua egocentricidade interna, para se abrir a essa transformação.
DEFININDO O ESTADO DE YOGA E O ESTADO INICIAL DO ASPIRANTE
Os opostos dos Yamas e Nyamas, no meu conhecimento não são objetivamente abordados na literatura do Yoga e no meu caso foram aprofundados com uma pesquisa em um grupo de estudos com diversos pensadores do comportamento humano que é universal e não está só no Yoga.
1) Avidez; esforço para a constante necessidade de se ocupar com a obtenção de algo, alimento, conhecimento, informação em geral e bloquear a capacidade de se sentir, também conhecido como gula, seu oposto é a fluidez, a espontaneidade, o não esforço, ahimsa.
2) Mentira; a diferença entre o que se pensa, sente e faz, seu oposto é satya a integridade absoluta.
3) Inveja: o desejo de se desviar de quem realmente é, desejando ser o outro, seu oposto é asteya não roubar nada de fora, dignidade, caráter.
4) Luxúria; uso da energia do prazer para amortecer alguma inaceitação, manipular os outros e reforçar a identidade irreal pelas sensações de prazer, seu oposto é bramacharyan; o uso consciente prazer para êxtase de se conhecer no altruísmo.
5) Avareza; a retenção de energia pelo medo da escassez e da transformação, seu oposto é aparigharya, constante desapego e vontade de doar e coragem para transformar-se.
6) Vaidade; a exaltação da dissonância de uma imagem em relação a verdade do ser, seu oposto é Saucha, a purificação da imagem irreal.
7) Ira; a incapacidade de aceitar uma reação do universo sobre alguma ação, seu oposto é santosha, aceitação.
8) Preguiça; a entrega à descrença e a desesperança do Ser real, seu oposto é Tapas constante entuasiasmo.
9) Medo; a paralisia ou adrenalina vinda do bloqueio para enxergar além da personalidade, seu oposto é a coragem e aplicação do auto estudo constante, svadhyaya.
10) Orgulho; o direcionamento de todas ações para benefício próprio. Seu oposto é isvara, o direcionamento ao todo maior.
EXPERIENCIANDO SAT E ASAT
Importante ressaltar que a compreensão intelectual desses opostos ajuda muito, mas não é suficiente. O aspirante deve realizar vivências práticas de auto observação que ajudem ele a constatar esses comportamentos e suas negatividades em si.
Sugiro como vivência inicial a prática do mantra Asato maa por 27 vezes para cada um dos elementos abordados e seus opostos.
No meu caso, isso exigiu 6 meses de estudos focados e a presença de alguém que atravessou esses obstáculos. O psicólogo e instrutor de Yoga Janderson Fernandes, que atingiu a meta com auxílio do mestre Sri Hans Maharagi se expressando como Sachcha Prem Baba.
O conhecimento transmitido oralmente por um mestre, carrega junto a energia contida em cada significado e quando ouvi sobre esse princípio de diferenciação em estado meditativo, fui inspirado para uma série de canções, entre elas compartilho a letra abaixo:
FELICIDADE
Feeelicidade
A suma meta do ser
A ti contemplar
O bem e o mal compreender
És fluir livre
De espontâneos instantes
Num respirar
Testemunho e dançante
É satya verdade
Sem nenhum personagem
Eterna e brilhante
De ouro sem quilate
REFRÃO
És o respeito
Com o que é do outro
És o maior prazer
Todo momento Ser
És desapego
Do ego e todo errante
A correção
Dos carrosséis separantes
REFRÃO
És o calor
Vontade pura e devota
Aceita o momento
Olha pra dentro sem volta
Yamas Nyamas
Conduta que te faz santa
Dharma a lei
Bom karma agir por seu campo
REFRÃO
És o Eu Sou
O Samadhi o Yoga
Real natureza
Cor do espírito santo
És sem palavras
Num sorriso infinito
Na sua abundância
Versos só nos inspiram
REFRÃO
Murillo - 04/06/07
Nos 6 meses de estudo, 10 semanas foram dedicadas com foco para a auto observação de cada um dos opostos dos Yamas e Nyamas, utilizando algumas dietas, jejuns de disciplina e dinâmicas especiais para fortalecer o foco.
Todo início de ano e sempre que solicitado, estarei facilitando essa vivencias em workshops.
INICIAÇÃO CONSCIENTE APÓS O DISCERNIMENTO
Quando adquirimos Viveka, podemos iniciar com consciencia a caminhada com o Yoga e se na canção acima tive um vislumbre do que é Sat, foi reconhecendo o que é Asat, no dia 09/11/2007 que completei o que considero o conhecimento necessário para iniciarmos a prática de Yoga, Viveka.
Não me arrisco colocar em palavras esse momento, mas minha consciencia me fez me redimir, caí em lágrimas de desolação do tempo que demorei para enxergar esse apego e na mesma hora percebendo a quantidade de pessoas que também estavam inconsciente desse apego no mundo fui tocado para fazer um pedido muito sincero:
“Lembre todos do egoísmo, para podermos começar
Lembre todos do egoísmo, para poder no libertar”
( minutos antes da foto ao lado que está fundida com foto do dia
que consagrei essa compreensão)
Ou seja, só reconhecendo o egoísmo; Asat, que podemos começar. E reconhecemos ele para podermos nos libertar do apego a ele.
Do contrário você não estará praticando pelo Yoga.
CONSAGRAÇÃO PESSOAL DO DISCERNIMENTO INICIAL
Junto com essa compreensão veio também a valorização da força do conhecimento transmitido por um mestre e para não esquecer, resolvi consagrar esse início na Índia, com algumas práticas de purificação e um simples rito tradicional de iniciação sobre as graças de Sri Hans Maharagi acompanhado por Sachcha Prem Baba a quem sou eternamente grato a começar por esse discernimento necessário para iniciar a prática de Yoga de forma consciente.
De lá para cá, procuro zelar pelo voto dessa consciencia sempre que inicio e instruo minhas práticas de Yoga para me purificar. E todo começo de ano lembro desse princípio com mais profundidade porque ele é o sentido da prática e da vida, transcender o egoísmo.
Ano passado, aprofundei as influencias da falta desse discernimento na formação de toda nossa cultura, percebendo a importância do mesmo.
Aspiro que todos os seres possam ter essa compreensão universal.
Namaste((_/\_))
Murillo